quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Liderança heróica - O Brasil tem atingido por linhas tortas os objetivos macroeconômicos desejados*

Por Carlos Alberto Fernandes**

A história política do Brasil tem demonstrado que nenhum líder, carismático ou não, tem sido competente em relação a compatibilidade entre os discursos e as ações dos governantes, mesmo a despeito de realizarem dois mandatos.

As experiências de gestões, tanto no setor publico como privado, têm demonstrado que nem sempre colocar líderes capacitados no comando é garantia de sucesso. A realidade do mundo moderno tem mostrado que normalmente o culto à liderança heróica impede a visão das contradições existentes no contexto social e institucional.

Talvez, em função desse contraponto do imaginário popular, a maioria dos cidadãos da América Latina faça seu ponto de inflexão política, quando elege governantes inteiramente fora dos padrões clássicos de competência intelectual e alinhamento ideológico aos americanos do norte. Todavia, essa mudança de paradigma político não tem implicado em alteração de alinhamento econômico. O consenso de Washington – apesar das críticas de que o crescimento gerado com suas medidas não atinge as pessoas -, invariavelmente continua valendo para todos.

No governo central, independentemente do preparo intelectual e carisma pessoal do presidente, o governo do PT – pressionado pelos modelos da responsabilidade fiscal e da geração de superávits primários para pagamento de juros da dívida – está por caminhos contraditórios atingindo os objetivos macroeconômicos clássicos desejados [observe-se, de passagem, que hoje, 22 de fevereiro de 2008, fora divulgado pelo Banco Central uma notícia histórica: o Brasil, pela primeira vez na sua história, tornou-se credor externo, ou seja, capaz de honrar seus compromissos em moeda estrangeira, já que suas reservas internacionais superaram em torno de 4 bilhões sua dívida externa bruta, fato notório que deve ser creditada à política macroeconômica do atual governo (ênfase minha)], no que diz respeito às seguintes variáveis: a) crescimento econômico; b) distribuição de renda; c) geração de emprego; d) estabilidade monetária; e, por último, aquela relacionada à eficiência alocativa.

Paradoxalmente, apesar da crise política do mensalão e de outras críticas das dimensões do superávit primário – que chegou a superar cinco pontos percentuais do PIB – as taxas de crescimento ainda que inferiores aos patamares desejados, têm sido positivas apesar das altas taxas de juros. A inflação tem se mantido estável, nos níveis de cinco 5% ao ano. A geração de empregos, segundo dados oficiais, já atinge o quantitativo de quatro milhões.

A distribuição de renda – turbinada pelo salário mínimo de R$ 350,00 e pela transferência de renda dos programas sociais que neste ano tende a ultrapassar vinte bilhões de reais – já mostra uma cara mais positiva segundo o IBGE.

Por seu lado, o mercado interno mantém-se aquecido e contribuindo para o crescimento econômico, inclusive, ajudado pela liberação de recursos da ordem de trinta milhões de reais através dos programas de empréstimo consignado e crédito popular.

Curiosamente, apesar da virtual irresponsabilidade nos gastos com programas sociais do tipo Bolsa Família e com a liberação frenética dos recursos via crédito pessoal, o que se vê é que o Brasil tem atingido, por linhas tortas, os objetivos macroeconômicos historicamente desejáveis.

"O paradigma clássico de que só concentrando recursos para investimentos pode-se obter o crescimento sustentável está para cair por terra"

Feliz ou infelizmente, o que a realidade macroeconômica tem mostrado é que o paradigma clássico de que só concentrando recursos para investimentos pode-se obter o crescimento sustentável está para cair por terra, pelo modelo atual de transferência direta de renda realizada através dos programas sociais e pela injeção de recursos no mercado interno.
A propósito, é bom lembrar o fato histórico da independência dos Estados Unidos quando os cidadãos das chamadas 13 colônias se rebelaram contra a coroa inglesa e formaram uma república, quebrando todos os paradigmas anteriores. A independência só se concretizou porque as tais colônias tinham o respaldo de um mercado interno dinâmico que foi o sustentáculo econômico básico para a consolidação da independência.

No Brasil, com liderança preparada ou não, os resultados macroeconômicos apontam para a quebra de modelos históricos e para uma liderança heróica. O líder posto ainda não se configura como um líder morto.


*artigo escrito em meados de 2006, extraído do livro Contraponto - Poder, Política, Economia e Costumes, do mesmo autor desta crônica.

** Carlos Alberto Fernandes é economista, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE e analista-consultor da Agencia de Tecnologia de Informações de Pernambuco.




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